Dragon Age: The Veilguard, desenvolvido pela BioWare e publicado pela Electronic Arts em 2024, é o quarto título da franquia Dragon Age.
Pouco tempo depois do lançamento, o jogo foi bombardeado com críticas e avaliações negativas – muitas delas de pessoas que nem chegaram a jogá-lo – por um motivo simples: a presença de Taash, personagem não-binário, como uma das companhias de Rook, protagonista do game.
Com aproximadamente 11 horas de jogo, cheguei ao diálogo de Taash com Neve, onde Taash menciona, pela primeira vez, a questão de gênero, que será recorrente ao longo da história.
Quando terminar o game, talvez eu explore esse assunto com mais profundidade aqui no blog. Por enquanto, quero apenas levantar uma reflexão rápida.
O que explica o indivíduo cisgênero dando chilique por conta do pronome de outra pessoa?
“Ai, mas é muito forçado, toda hora isso de elu/delu…”
“Estragaram o jogo com isso de pronome neutro…”
“As falas de Taash são horríveis, personagem insuportável, não consigo aguentar…”
Será que isso realmente estraga sua experiência de jogo? Vai mesmo atrapalhar na hora de você matar seu dragãozinho? Ou talvez valha a pena parar um instante e se perguntar por que isso te incomoda tanto?
Taash, sua identidade e seu comportamento
É completamente compreensível que Taash tenha momentos de imaturidade e até reaja com raiva em certas situações, já que está enfrentando desafios enormes, lidando com sua identidade em um mundo que não é acolhedor.
Quando alguém passa a vida inteira tendo sua identidade questionada ou desvalorizada, é natural que isso afete seu comportamento e suas emoções, mas é difícil enxergar isso quando se está em um lugar de privilégio.
A raiva, muitas vezes, é uma resposta ao cansaço da falta de compreensão, ao medo constante de rejeição ou simplesmente à frustração de ter que lutar para que enxerguem sua verdadeira essência.
E como Taash ainda é jovem, está passando por um momento de autodescoberta e crescimento, tentando encontrar seu espaço no mundo.
Vivemos em uma sociedade que marginaliza essas identidades, tornando o processo de autodescoberta e aceitação doloroso e solitário.
Vida real: disforia de gênero, medo, ansiedade

A disforia de gênero é algo que muitas pessoas trans e não-binárias enfrentam no dia a dia. Basicamente, é a sensação de desconforto ou angústia quando o corpo não reflete a identidade da pessoa. Isso pode gerar ansiedade, tristeza e até um sentimento de isolamento.
As dificuldades aparecem nas coisas mais simples, como escolher uma roupa que realmente faça a pessoa se sentir bem (aspecto que aparece logo no primeiro diálogo de Taash com Neve) ou até usar um banheiro público sem medo.
Muitas vezes, é preciso ficar explicando e justificando sua identidade o tempo todo, o que pode ser cansativo e desgastante.
Além disso, muitas pessoas trans e não-binárias enfrentam medo constante. Medo de não serem aceitas, de serem rejeitadas pela família, de sofrerem violência ou de simplesmente não encontrarem um espaço onde possam existir livremente. Isso é sufocante.
Pessoas reais têm momentos de irritação, de defesa exagerada, de erro. Isso não torna Taash um personagem ruim ou desagradável – pelo contrário, faz com que seja mais autêntico.
Nem todo personagem queer precisa ser um modelo de perfeição ou sempre responder às situações com maturidade absoluta.
Mostrar que Taash tem falhas e está aprendendo torna sua história mais honesta e próxima da realidade de tantas pessoas trans e não-binárias.
E se você acha que a narrativa de Taash atrapalha tanto assim a gameplay, muito provavelmente isso é um reflexo de como você lida com essas identidades na vida real.
Representatividade pra quem quer apenas existir
A representação de personagens como Taash em Dragon Age: The Veilguard é muito mais do que apenas um detalhe narrativo ou um gesto simbólico de inclusão.
Para muitas pessoas trans e não-binárias, ver personagens como elas em um universo tão amado pode ser profundamente significativo.
É por isso que personagens como Taash importam tanto. Eles representam não apenas a diversidade real da nossa sociedade, mas também a possibilidade de existir sem precisar se desculpar.
Em Dragon Age: The Veilguard, pessoas cisgêneras têm a oportunidade de vivenciar, ainda que virtualmente, os desafios e triunfos de personagens trans e não-binários.
Teoricamente, isso deveria gerar uma maior conscientização sobre as questões enfrentadas por essas pessoas, mas, ao contrário, só parece gerar mais ódio.
Infelizmente, é fácil entender o motivo. Repito: nossa sociedade marginaliza essas identidades. Pessoas morrem apenas por serem quem são.
“Ahhh, não é nada disso, não tenho preconceito, é que essa coisa de gênero o tempo todo irrita demais, e Taash é um personagem imaturo demais!”
Se Taash é um personagem imaturo, imagina você, que se incomoda com o pronome e a existência de outra pessoa.
No final do dia, as críticas à Dragon Age: The Veilguard e, especificamente, à Taash, só refletem uma sociedade cruel, que não aceita a diversidade e prefere rejeitar aquilo que não gira ao seu redor, que desafia suas noções de normalidade.