Quando falamos sobre diversidade, o protagonismo negro nos games ainda é um dos temas mais deixados de lado.
Mesmo com alguns avanços aqui e ali, personagens negros continuam sendo minoria nas histórias principais. E o pior: quando aparecem, muitas vezes estão presos nos mesmos estereótipos de sempre, que já devíamos ter superado faz tempo.
Quero convidar você a pensar comigo por que essa pauta continua sendo tão urgente.
O que muda quando pessoas negras ocupam o centro das narrativas? Por que a indústria ainda tem um longo caminho pela frente se quiser, de fato, representar o mundo real dentro das telas?
A ausência histórica de personagens negros nos games
Por muito tempo, os games giraram quase sempre em torno dos mesmos tipos de protagonistas: homens, brancos e com narrativas que ignoravam completamente a diversidade do mundo real.
Quando personagens negros apareciam, era quase sempre em segundo plano. Pior ainda: presos em estereótipos como o do criminoso, do atleta ou da figura caricata.
O problema é que isso vai muito além de uma simples escolha criativa. Representar de forma tão limitada reforça preconceitos e apaga a chance de milhões de pessoas se verem nas histórias que jogam.
A ausência de protagonistas negros com profundidade, com jornadas próprias e complexas, ajuda a manter uma visão de mundo que exclui e marginaliza, justamente em um meio que poderia ser tão transformador.
Representações que inspiram
Ainda bem que nem tudo está parado no tempo. Alguns jogos vêm quebrando esse ciclo e trazendo personagens negros no centro da narrativa, com profundidade, protagonismo e histórias bem construídas.
Miles Morales, Spider-Man

Em Spider-Man: Miles Morales (2020), por exemplo, acompanhamos a trajetória de Miles, um adolescente negro e latino do Brooklyn que está aprendendo a lidar com os próprios poderes e, claro, com o peso de ser um novo Homem-Aranha.
Ele vive no Harlem com a mãe, que é uma mulher forte, engajada politicamente e super presente na vida dele, enquanto lida com a dor de ter perdido o pai, que era policial.
Miles é um retrato muito real de tantos jovens negros que crescem em meio a desafios sociais, responsabilidades familiares e dúvidas sobre quem são e quem querem ser.
É impossível não se envolver com os dilemas dele, com o carinho que tem pela comunidade, com o senso de justiça que carrega e com a humanidade que transborda em cada diálogo, cada escolha, cada movimento.
O personagem representa um passo importante para a diversidade nos games não só por ser negro e latino, mas por ter uma história contada com respeito, profundidade e afeto.
Miles é mais do que um sucessor do Peter Parker. Ele é um herói que inspira. É representatividade. É resistência.
E você já sabe o que responder para quem diz que “não existe Homem-Aranha negro”, né?
Yasuke (Assassin’s Creed Shadows)

Com Assassin’s Creed Shadows, lançado em 2025, podemos ver a indústria de games avançando ainda mais para ampliar essa representatividade ao trazer Yasuke como um dos protagonistas jogáveis.
Ele foi uma figura real que viveu no Japão do século XVI. Embora muita gente questione se ele foi realmente um samurai, o fato de ele ocupar esse papel em um jogo desse porte já é revolucionário.
Colocar um homem negro nessa posição histórica, em um dos títulos mais aguardados da Ubisoft, manda uma mensagem poderosa sobre presença, visibilidade e reinterpretação da história.
Dandara (jogo indie brasileiro)

Nem só de grandes estúdios vive a representatividade nos games. O Brasil também tem seu lugar nessa conversa. Dandara, lançado em 2018 pelo estúdio mineiro Long Hat House, é um exemplo poderoso disso.
Inspirada na figura histórica de Dandara dos Palmares, a personagem do jogo é uma mulher negra que resiste em um mundo opressor e sem liberdade.
Dandara salta pelas paredes e tetos, desafiando a gravidade, em uma jornada de libertação e reconstrução.
Mesmo em um game com uma narrativa mais abstrata e poética, Dandara carrega um simbolismo fortíssimo. Ela representa a luta contra sistemas que tentam aprisionar corpos e vozes negras, fazendo isso com coragem, energia e espiritualidade.
É emocionante ver uma mulher negra protagonizando um jogo com tanta força simbólica e narrativa, especialmente em uma produção independente feita por desenvolvedores brasileiros.
Dandara mostra que representatividade também vem da criatividade de quem ousa imaginar novos mundos e coloca neles heroínas que sempre existiram, mesmo que a história tenha tentado apagar.
Quando personagens como esses ganham espaço, todo mundo sai ganhando. As histórias ficam mais ricas, os mundos mais diversos e, principalmente, pessoas negras podem se ver ali, com orgulho, ocupando papéis que antes pareciam proibidos.
Isso tem um impacto gigante na autoestima e no sentimento de pertencimento, mesma coisa que acontece quando encontramos personagens diversos em sexualidade e gênero nos games.
Por trás dos bastidores: a falta de diversidade na indústria
Não podemos ignorar o que acontece fora da tela. A ausência de personagens diversos é um reflexo direto da pouca representatividade nas equipes de desenvolvimento.
De acordo com o II Censo da Indústria Brasileira de Jogos Digitais, divulgado em 2018, mais da metade das empresas formalizadas – ou seja, 55,5% delas – não tem nenhuma pessoa negra no time. Isso mesmo: nenhuma.
Sem vozes negras nos bastidores, as histórias criadas tendem a repetir o mesmo olhar limitado de sempre.
Por isso, iniciativas como o selo de Apoio e Incentivo à Diversidade Racial na Indústria de Games, criado pelo Conselho da Diversidade da Abragames, são tão importantes.
A ideia é incentivar a inclusão de pessoas negras e indígenas em todas as etapas do processo criativo.
E aqui vale um recorte importante: são poucas ainda as pessoas negras no desenvolvimento de games, e menos ainda quando falamos de mulheres negras. Ou seja, quando raça e gênero se cruzam, a desigualdade pesa ainda mais.
Mulheres negras quase não aparecem nos bastidores dos games, e isso não é coincidência. Falta oportunidade, falta reconhecimento e, muitas vezes, falta até quem olhe para isso.
Apoiar essas profissionais, dar espaço e visibilidade, não é favor. É o mínimo para começar a corrigir uma história cheia de silenciamentos.
O que ainda precisa mudar e como podemos contribuir?

Apesar dos avanços, ainda tem muita coisa que precisa mudar para o protagonismo negro nos games deixar de ser exceção e virar regra.
E essa mudança tem que vir de dentro: as empresas precisam se comprometer de verdade com a diversidade.
Isso precisa acontecer não só nas telas, mas também nos bastidores, contratando e valorizando profissionais negros em todas as etapas da criação.
E não é só a indústria que tem responsabilidade. Quem joga, também.
Apoiar jogos que trazem representatividade, cobrar mais diversidade de quem desenvolve e amplificar o trabalho de criadores de conteúdo negros já faz uma grande diferença.
Pequenas atitudes, quando somadas, viram movimento. E é esse movimento que pode transformar os games em um espaço mais justo, mais inclusivo e onde todo mundo se vê.
E você, como enxerga o protagonismo negro nos games? Conta pra mim nos comentários.